O voo

Não sei se era um estado de choque ou uma fobia ou simplesmente a aplicação da técnica de esvaziar a mente como se faz no yoga. Bem, como até hoje não sou boa em conseguir me aquietar e ficar com a mente tranquila e vazia, creio que era um estado de choque maquiado com um pouco de fobia.

O fato é que este estado psicológico e emocional me fez não pensar em nada, como se fosse algo mágico. Nenhuma crise de choro incontrolável veio à tona como nos sonhos ou pesadelos. Parecia ser tudo mais fácil.
Enfim, chegamos ao aeroporto do galeão, na área de embarque internacional. Tive que ir sozinha fazer o check-in. Quer horror! Duas malas grandes, uma pesando 26,5kg e a outra 30kg. E, acredite; ninguém para ajudar a por na esteira da balança do guichê. Tudo bem! Nada que um bom alongamento não ajude.

A segunda etapa estava por vir... Enquanto isso não ocorria, passei o tempo junto a minha mãe, irmão, irmã e padrasto. E, pasmem! O estado de mente vazia permanecia.

Ok! Agora vamos encarar a realidade. Chegou a hora de embarcar. Abraços, beijos, cheiros e chamegos. Impossível não chorar. Mas tentei ser forte, pois sabia que se eu desse chance a emoção, isso poderia travar minhas respiração, palpitar forte e rápido meu coração e em choro incontrolável. Então, o estado de “mente vazia” permaneceu. Ótimo!

Agora, passeie pelo tal Free Shop, nunca antes conhecido por mim (nunca participei de nenhum voo internacional, até aquele momento). Interessante e caro! Não vi vantagem igual aos relatos que ouvi.
Bem, por um instante me senti perdida. Então, liguei a cobrar pelo telefone público para minha mãe, para lhe contar o valor da câmera fotográfica sony. Depois, para o meu pai para dizer-lhe que está tudo bem e que eu estava no saguão de embarque. Pensei em fazer uma última ligação a cobrar, seria para o meu namorado, mas como nunca fiz uma ligação a cobrar para ele, achei que seria uma atitude mal educada. Então, esqueça. Já fiz as ligações que precisava fazer.

Comecei a caminhar em busca do portão 37, que agora seria 35. Tudo bem! Fiquei sentada agarrada ao meu travesseiro e ouvindo a conversa, ou melhor, o monologo de uma menina atrás de mim.

Enquanto observava as pessoas e ouvia ao monólogo de um papo alheio, distraia-me com o fato. Desde muito tempo já havia uma grande fila em frente ao portão 35. Não me preocupei e continuei congelada na mesma cadeira. Enquanto isso, uma senhora tentava organizar a fila dividindo-a em três fileiras. Havia uma fila menor onde as pessoas eram parecidas na vestimenta, na escolha pela bagagem de mão, nos gestos e forma de comunicação. Pensei: deve ser a fila de embarque da 1ᵃ classe. Mas isso era apenas uma hipótese.

Quando abriram o portão de embarque e a tal fila supostamente da 1ᵃ classe começou a andar e eu, inocentemente, ou, melhor, em estado automático, agindo só por reação, fui para o final dessa fila e perguntei ao senhor que era o último:
- Essa fila está dividida por fileiras?
- Acho que não. Apenas dividiram a quantidade de pessoas. Não sei pra quê. Mas estou acá.

Com um forte sotaque português esse homem com sua explicação duvidosa convenceu meu corpo de continuar caminhando, até porque era a primeira fila a andar e com menos pessoas. Perfeito! Quando chegou minha vez de apresentar o cartão de embarque, perguntei ao funcionário:
- Essa fila. Estou certa? (Mostrando-lhe o meu cartão de embarque)

Acho que se eu não tivesse me pronunciado, ele nem notaria. Mas depois da minha pergunta, por um minuto ele parou, olhou, suspirou fundo e disse:
- Pode ser. Siga.

Naquele instante fui em frente sem titubear. Se bem que pensei: com certeza estou errada. Por outro instante agi: Segue e deixe pra lá, sua tonta. (Pensando).

Sabe aquele senhor português que estava tão perdido ou inocente ou esperto quanto eu? O cartão de embarque dele foi entregue àquela senhora que tentava organizar as filas. E, obviamente, ele foi barrado e uma discussão se formou. Eu apenas ouvi ou imaginei: Mas e aquela rapariga? Nessa hora, eu caminhei em direção à ponte mais rápido ainda.

De repente, entro no avião e vejo todos se acomodarem nas grandes e desejáveis poltronas da 1ᵃ classe. Sem pensar e olhar muito, avistei um estreito corredor e aos fundos dele várias cadeiras. Foi pra lá que fui e rapidamente a poltrona 16d estava lá.

Aos poucos as outras pessoas entravam e algumas me olhavam fixamente como se quisessem dizer: Eu sei o que vocês fez. Ou olha! Aquela moça aqui!? Bem, claro que foi pura imaginação fértil e, provavelmente, me “olhavam” porque eu também olhava.

Depois de todos sentarem e guardarem suas bagagens surge um vídeo, excelente. Vídeo com explicações sobre os voos, procedimentos básicos e regras. Mas era perfeito, com sendo de humor, em forma de desenho com bonecos de madeiras robotizados. E, muito humor. Comunicação simples, direta e bem humorada, muito mais humana,  informal e descontraída do que os avisos chatos e robotizados apresentados pelos comissários de bordo das companhias de voo nacional.

Ok! Depois uma oração com costumes católicos, o avião tomou velocidade e aos poucos e bem lentamente, a aeronave saia do chão e minha “ficha caia”. Na mente: agora é pra valer. Nesse momento, lágrimas corriam e escorriam pela minha pele, com extrema facilidade e média quantidade. Diferentes emoções se passavam: medo, ansiedade, felicidades, orgulho e empolgação. Mas a sensação de oportunidade única, de magia, de sucesso, de privilégio e orgulho de mim mesma eram muito fortes. Abracei o travesseiro e bem baixinho disse pra mim: Eu consegui. Estou aqui. É real. Vai dar certo.

Num instante uma alegria me contagiava e o aeromoço que mascava chiclete, por um piscar de olhos, era lindo e colírio para os meus olhos. Agora, me pergunte: E, qual foi o canal de música que mais gostou? Respondo-lhe: Canal África. Com um ritmo forte, batidas, mistura de hip hop, merengue e som de tambores.
Esse ritmo tomava conta da minha audição que refletia no meu desejo corporal de dançar deslumbrantemente. 

Além disso, o mais impressionante foi a apresentação do cardápio que quebrou a expectativa construída a partir dos comentários de quem já usou o serviço. De repente, lhe apresento o seu jantar. Algo totalmente enlatado, com uso de papelão, papel e plásticos, muito plástico para armazenar uma comida com sabor indecifrável. Não foi das piores, muito menos das melhores. Mas, acredite receber um papel retangular com um bom design e informando o prato principal, a entrada e a sobremesa, realmente fazia minha boca salivar e minha expectativa aumentar. Claro, para quem nunca tinha recebido esse serviço.

Depois, quando aterrissamos tivemos que caminhar por 20 minutos por dentro do aeroporto imenso até o saguão de passaportes. Quando chegou minha vez de ser atendida, um lindo homem casado fez diversas perguntas sobre o motivo de entrar em Portugal e quando soube que era para estudo, imediatamente disse com um sorrisinho de canto de boca:
- Cuidado com as festas das universidades, no final do ano. É que os alunos tem muito companheirismo. (risos).

No momento, arregalei os olhos e fiquei assustada.  E, ele ao perceber falou: Mas vais se divertires e muito.

Assim, fico na expectativa de me divertir e muito.

Até uma próxima...